Ela tem vontade
de conversar com as flores,
com os pássaros, com
o vento.
Sobretudo, descobre
outro ritmo em sua carne.
É tempo do adágio, de
calma e fruição.
Neste período, aliás,
o tempo pára.
Em estado de graça
ela se desinteressa do calendário.
O cotidiano já não a
oprime.
As tarefas da casa,
pesadas em outras ocasiões,
tornam-se leves, os
compromissos mais enjoados
podem ser acertados,
as tragédias dos
jornais já não lhe
dizem tanto respeito.
O trabalho do
escritório torna-se leve,
pode ser feito quase
cantando.
Algumas desenvolvem
uma súbita necessidade
de tecer, outras de
aninhar.
Querem bordar,
costurar, arrumar coisas na casa,
entram em clima de
nidificação.
É a hora de uma
ociosidade amorosa.
Outras querem
presentear o amado e o mundo
com pratos
sutilíssimos e saborosos.
O fato é que a mulher
nessa atmosfera sai do trivial,
se angeliza e
glorificada, pervaga pela casa.
O homem, animal
desatento, às vezes não se dá conta.
Em geral, nunca
se dá conta.
Ou dá-se conta nos
primeiros minutos após o ato de amor,
e depois se deixa
levar pela trivialidade, deixando-a
solitária em sua
felicidade clandestina.
Na verdade, ela
sobrepaira ao tempo, está adejando em
torno do amado, que
deveria suspender tudo para sentir
desenhar-se em torno
de si esse balé de ternura.
Deveria o homem
avisar ao escritório: hoje não posso ir,
estou assistindo à
reverberação do amor naquela que amo.
E como isto se
assemelha à floração rara de certas
plantas, os amados
deveriam interromper tudo:
seus negócios e
almoços e ficarem ali, prostrados,
diante da que celebra
nela o que ele ajudou a deslanchar.
Já vi algumas
mulheres assim.
Era capaz de
pressentir a 115 m que elas estavam
levitando de tanto
amor que seus amados nelas desataram.
Há uma coisa grave na
mulher que foi ao clímax de si mesma.
Que não esteja
distraído o parceiro ou parceira.
Ela tem mesmo um
perfume diverso das demais.
É um cio diferente. É
quando a mulher descerra em si o que tem
de
visceralmente
fêmea, tranqüila que, mais que possuída,
possui algo que
atingiu raramente.
As outras mulheres
percebem isto e a invejam.
Os machos farejam e
se perturbam.
É como se estivessem
num patamar seguro a se contemplar.
É quase parecido
a quando a mulher vive a maternidade.
Mas aqui é ainda
diferente, porque na maternidade
existe algo concreto
se movimentando dentro dela.
Contudo, nessa
atmosfera que se segue a uma
epifânica sessão de
amor, é diverso, porque ela
está acariciando uma
imponderável felicidade.
Estou falando de uma
coisa que os homens
não experimentam
assim.
O gozo masculino é
mais pontual e parece se
exaurir pouco depois
do próprio ato.
Só os escolhidos, os
de alma feminina, vez por outra,
o sentem prolongar-se
dentro de si.
Mas em geral, é
diferente.
Terminado o ato, uns
até rolam
para o lado e dormem
como se tivessem
tirado um fardo do
ombro, outros acendem o cigarro,
vestem suas
ansiedades e voltam ao trabalho.
É constatável, no
entanto, que o homem apaixonado
também transmite
força, alegria, energia.
Ele oscila entre
Alexandre o Grande e o artista que
chegou ao sucesso !
Também brilha. Mas é
diferente. E não é disto que
estou falando, senão
do gozo feminino que não se
esgota no gozo e se
derrama em gestos e
atenções por horas e
dias a fio.
Freud andou várias
vezes errando sobre as mulheres e,
por exemplo, colocou
equivocadamente aquela questão
de que a mulher teria
inveja do homem por
ser este um animal
fálico, etc.
Convenhamos:
inveja têm (e deveriam ter) os
homens quando prestam
atenção no fenômeno
que ocorre com as
mulheres, que ao serem amadas
atingem o luminoso
êxtase de si mesmas, como se
tivessem rompido uma
escala de medição trivial
para lá da barreira
dos gemidos e amorosos alaridos.
É isso: quando a
mulher foi amada e bem amada,
ela ingressa nessa
atmosfera sagrada, cuja descrição
se aproxima daquilo
que as santas estáticas descreveram.
Uma aura de mistérios
as envolve.
E isso, por não ser
muito trivial, por não ser nada
profano, talvez se
assemelhe aos mistérios
gozosos de que muitos
místicos falaram